Há muitos anos, entrei para o clube de bonsai. Sempre apreciei o silêncio. Cresci numa vila, rodeada de pinhais e com os galos a servirem de despertador. Mas a vida mudou. De repente, comecei a acordar no sótão de um prédio em Lisboa, cercada pelo ruído de aviões, sirenes, buzinas e uma obra de reabilitação no prédio vizinho.
No clube de bonsai encontrei um refúgio. Ali, cuidávamos das árvores com respeito, paciência e tempo. Mas há sempre alguém pronto a perturbar a paz.
O Sebastião era tudo o que os bonsais não eram. Chegava sorridente e cheio de energia. Falava sem parar e interrompia todos para dar a sua opinião não solicitada.
Para mim, era cansativo e uma continuação do mundo lá fora. Todo aquele palavreado sobre tudo e sobre nada. Será que os outros gostavam? Naquela altura, confiava pouco em mim e não era capaz de lhe dizer que é possível gostar do sossego. Ele era dos membros mais antigos.
Os melhores dias eram quando ele não aparecia. Cada um entregava-se ao cuidado delicado das suas pequenas árvores, aprendia com o professor e tinha uma ou outra conversa espaçada e tranquila.
Um dia, não aguentei mais. Ele palrava sobre o vinho da casa de má qualidade que tinha bebido num restaurante, quando o interrompi:
- Sebastião, às vezes, o silêncio é de ouro. Não consegue estar calado um minuto?
Ele calou-se, meio sem jeito. Os outros tentaram disfarçar com um sorriso e palavras mansas, coitado, essa doeu. Não me orgulho do modo como o disse, mas disse-o mesmo assim.
Mudei de casa e saí do clube, mas ele nunca me perdoou. Desamigou-me do Facebook. Eu também nunca lhe pedi desculpa.
Hoje percebo que nenhum de nós estava certo ou errado. Cada um tem a sua maneira de existir e ainda bem. Não precisamos de ser todos iguais.
Os meus bonsais acabaram por morrer. Reencontrei na minha horta um espaço onde posso ser eu e onde encontro uma espécie de reorganização do que realmente importa. O silêncio, para mim, nunca se tratou de ausência de palavras. O silêncio é sempre presença. A minha própria presença para existir.
Recordei este episódio, quando dias atrás, revia os meus cadernos de apontamentos. No dia em que magoei o Sebastião, cheguei a casa e escrevi:
O silêncio não precisa de ser explicado. Pode ser apreciado entre os ramos delicados de um bonsai.
Nunca mais soube do Sebastião.
Amo ler, semanalmente, o que Maria Escreve. Também amo o silêncio, mesmo quando ele não quer dizer nada.
Sempre que leio sobre Bonsai lembro do Alejandro Zambra (mas eu devia me calar pela aleatoriedade do comentário).